terça-feira, 23 de outubro de 2007

Fundamentação Teórica

A tradição individualista e socialmente irresponsável é muito forte, por isso, provavelmente tem-se em nosso próprio condicionamento psíquico o maior obstáculo. Esta é uma das razões do esvaziamento ético e do declínio humano na civilização urbano-industrial, principalmente nas grandes cidades. E tem como resposta mais lúcida a forma de grupos que desenvolvem formas de estimular o potencial humano, por meio do auto-conhecimento coletivo como extensão da auto percepção individual.

Para estabelecer pontes artificiais sobre o distanciamento e não conhecimento do outro, repetimos frases, clichês, estereótipos, crenças, de todos conhecidos, e fazemos da relação social algo inautêntico. Porém, se tivermos clareza sobre o grau de condicionamento individualista determinado por nosso passado, teremos dado um importante passo em direção a solidariedade. E se, além disso, percebemos a relação social como um momento privilegiado de auto-conhecimento e aprendizado em aberto, sem fim teremos dado outro passo fundamental.

Uma análise das obras existentes sobre o assunto revela um acentuado consenso de que o trabalho voluntário contribui para a felicidade ao eliminar o tédio e dar objetivo à vida. Em média, os voluntários têm duas vezes mais chances de se sentirem felizes consigo mesmos do que aqueles que não se dedicam a nada. (Crist-Houran apud. Niven, 1996, p. 121)

Observamo-nos, na relação solidária, evitando autocensura e auto justificação, permanecendo atentos à possibilidade de ver a nossa liberdade acompanhar a liberdade do outro, momento a momento, sem expectativa de um resultado concreto, de um fim.

Para isso, é preciso contar não só com a desmistificação de estereótipos, dos inúmeros artifícios sociais, mas também com o propósito claro de desenvolver a solidariedade. Com este propósito sendo consensual, os conflitos são relativizados, diluídos, e o silêncio ganha espaço na relação. Observa-se que entre amigos, o silêncio não é fator de constrangimento, como acontece nas relações entre desconhecidos ou recém conhecidos como defende Vasconcellos (2006) “que os sujeitos querem ser reconhecidos, uns pelos outros, amados, notados, eles desejam ter valor para os outros (...) ser revelado pelo outro como merecedor de sua estima.” A solidariedade é um caminho para a amizade (com amor ético), a mais bela forma de amor social, a que mais gera valores e amplia a liberdade humana.

Na solidariedade, redescobrimos o sentido original da palavra respeito, que nada tem a ver com temor e obediência, mas com atenção integral de alguém. Na solidariedade, percebe-se a beleza da partilha, da ação em conjunto e a percepção desta beleza em si, suscita valores essenciais, como o amor, a paz, a liberdade, a meditação, a evolução e harmonia.

A solidariedade, entretanto, precisa distinguir-se da bondade, que pode ser unilateral. Quando somos solidários, de certa forma vamos além da bondade, porque participamos de um movimento social nascente, que pode incluir duas ou mais pessoas.

Pertencer a um grupo faz com que as pessoas se sintam mais próximas umas das outras e aumenta a confiança e a satisfação pessoais em cerca de sete por cento. (Coghlan apud Niven, 1996, p. 50).

Percebe-se tratar de uma arte complexa, que exige extraordinária sensibilidade e discernimento. Popularidade não indica solidariedade. Não será pela extensão superficial do rótulo de “amizade” às relações sociais, com estranhos colegas que a solidariedade fará parte de nossas vidas. Ser solidário é sentir-se solidário. Descobrir, em si mesmo esse sentimento, é motivo de comemoração, de confraternização, porque é algo raro tão transformador que geralmente é reprimido nas instituições hierárquicas, nos grupos formais.

Cada um de nós tem um ritmo próprio no desenvolvimento desta arte, porque nossos condicionamentos diferem em graus de repressão das emoções superiores, da abertura perceptiva e de educação do raciocínio lógico.

Geralmente, ocorre uma combinação complexa destas carências, de modo que precisamos todos compreender a necessidade não só de aprender a ser solidário, mas também a necessidade social de estimular o aprendizado de outrem. Vasconcellos (2006) retrata que “há que descobrir que sua afirmação não significa (...) a negação do outro, mas que, ao contrário, a convivência com o outro o leva a potencializar-se e desenvolver-se,” ou seja, a solidariedade, sendo um processo de libertação social, de auto conhecimento coletivo, não é qualidade que se tem ou não, mas que se aprende e se ensina partindo das mais variadas condições sociais, dos mais variados ambientes ou ecossistemas.

Com esses pressupostos, traz-se para a educação com interesses coletivos, consolidando uma educação democrática, que consiste num processo de humanização, despertando no mesmo exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos saberes, o cultivo do humor.

A educação como formação e consolidação de tais valores torna o ser humano só mesmo com o tempo, mas consciente de sua dignidade e da de seus semelhantes – o que garante o valor da solidariedade – assim como mais apto para exercer a sua soberania enquanto cidadão.

Nenhum comentário: